TEXTOS EDUCATIVOS

Neste espaço você encontrará muitos textos acerca de diversos temas. Entre eles as diversas formas de linguagem.

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quarta-feira, 30 de junho de 2010

A propaganda precisa voltar a contar boas histórias




Ruy Lindenberg, especial para o iGA propaganda precisa voltar a contar boas histórias
As mídias se multiplicaram, mas, no mercado publicitário, a essência do trabalho ainda é a criatividade
02/06/2010 16:41
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Foto: Divulgação
Ruy Lindenberg, vice-presidente de criação da Leo Burnett Brasil
Na publicidade, a melhor definição para profissional criativo, na minha opinião, é a de contador de histórias. Pode parecer pouco, mas se você fizer isso direito, com certeza vai ajudar seus clientes a conquistar negócios, sua agência a ganhar dinheiro e você a ter uma carreira de sucesso. Estes tempos de novas mídias apresentam oportunidades que nunca existiram, mas me pergunto se seremos bons contadores de histórias nesta nova realidade. Para enxergar isso melhor, seria bom uma olhada no que está acontecendo fora do mundinho da propaganda.

Na China, que já copiou quase tudo do ocidente, alguns produtos estão ficando melhores do que os originais. Um amigo meu, que voltou de lá recentemente, visitou um desses parques temáticos que conhecemos tão bem e esteve numa atração inspirada na Torre do Terror da Disney. Só que a experiência que ele teve foi completamente diferente. Ao invés de apenas subir e cair, essa viagem de elevador acontece no prédio de uma companhia petrolífera - e alguns dos seus personagens estão envolvidos numa complicada conspiração e interagem com o público. No rápido sobe-e-desce do elevador, temos a tentativa de assassinato do CEO, a amante do executivo principal arma um barraco no elevador em queda livre e tudo termina com um executivo gay morimbundo nos braços dos turistas no final da viagem. Ufa...

Neste momento, você deve estar se perguntando: mas o que tem isso a ver com propaganda? Absolutamente tudo. A tecnologia mudou, o público mudou, a concorrência mudou, as motivações mudaram e a internet, os eventos e o merchadising estão mais sofisticados. E todas essas plataformas estão esperando por uma boa história.

Exemplos no teatro, no cinema e no samba

O coreógrafo Matthew Bourne deu há quatro meses uma entrevista maravilhosa à revista "The Economist". Tido como um dos profissionais de teatro mais revolucionários do mundo, ele se considera apenas um contador de histórias. “Eu faço isso por meio do movimento. E sempre busco novas histórias, mais interessantes, mais originais. Por isso tenho tentado trabalhar com compositores jovens. Com os que já morreram, você tem menos diálogo (risos)", disse Bourne.

Ele continua: "aos 50 anos, ainda sou um aprendiz. Quando lanço um espetáculo, durante um, dois meses seguidos, me sento no meio do público. E nunca deixo de me surpreender com o que aprendo ali. O público devolve imediatamente o que passamos para ele. Tanto que um dia nunca é igual ao outro. Por isso nós temos que ser claros, simples, perfeitos no movimento, na música, no timing, na expressão, na iluminação. Eu sou curioso com o público, tanto quanto ele é com o meu espetáculo. E ele retribui minha atenção me dando lições todos os dias, de graça”.

Na indústria cinematográfica, o argentino Juan José Campanella, diretor de "O Filho da Noiva" e "O Segredo dos Seus Olhos" - este, premiado com Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010 -, declarou que seu próximo trabalho será em 3D. O motivo é simples: “Em cinco ou seis anos, fazer um filme que não seja em 3D será uma decisão criativa, como é hoje rodar em preto e branco. Essa tecnologia veio para ficar e eu me vejo dirigindo um filme em 3D com atores reais. Meu trabalho é contar histórias e isso não vai mudar, mesmo com todos os avanços. O problema de Hollywood é que eles se perderam pelo caminho da tecnologia”.

No dia 19 de março, o jornal "O Estado de S. Paulo" publicou uma reportagem sobre o centenário do nascimento de Adoniran Barbosa, autor de "Saudosa Maloca" (dos versos "o Arnesto nus convidô prum samba / Ele mora no Brás / Nóis fumo, não encontremos ninguém"). Para a matéria, entrevistaram o personagem do samba do Adoniram, o Arnesto. “Nunca convidei o Adoniran para um samba na minha casa”, disse o Arnesto de carne e osso, aos 95 anos. Ele - que na verdade se chama Ernesto e morava na Moóca (na zona leste de São Paulo), não no Brás (bairro da região central da cidade) -, uma vez reclamou com o amigo sobre sua composição. Adoniran respondeu: “Arnesto, se não tivesse mancada não tinha samba. Segura essa prá mim, tá?”

A criatividade ainda é a essência

Na propaganda, as nossas possibilidades de contar histórias se ampliaram imensamente nos últimos anos. A TV ainda é um poderoso veículo de massa, o rádio tem um público fiel - em parte, graças aos congestionamento das cidades -, os jornais continuam com credibilidade e as revistas têm ampliado sua segmentação. E mais: a indústria de games já é um negócio maior do que a indústria de música; as empresas que produzem aplicativos para celulares e redes sociais, por sua vez, são milhares espalhadas pelo mundo. Só a Apple Store oferece mais de 100 mil aplicativos. Os shows e os espetáculos se tornaram veículos de comunicação patrocinados por empresas poderosas.

Isso significa um desafio gigantesco para todos, especialmente para as escolas de comunicação e as novas gerações de profissionais. Como ensinar criação em novas mídias quando alguns alunos não aprenderam a trabalhar naquelas que são consideradas do passado? Se você pedir a um redator um spot de rádio, talvez tenha dificuldade em conseguir algo interessante, instigante. Basta ouvir o que as nossas rádios andam veiculando.

Por isso, fiquei muito contente outro dia quando um jovem e talentoso redator da agência, Michel Zveibil, rato de internet e de novas mídias, me mostrou o que estava lendo: "Story", um livro do conhecido roterista Robert Mckee. Nas mais de 400 páginas, ele dá dicas fundamentais de como estruturar um roteiro, torndo-o emocionante, surpreendente.

Acho que o Michel, como alguns jovens profissionais de criação e de outras áreas da propaganda, entenderam o recado: a história ainda é a coisa mais importante, não importa se ela é contada na mídia de massa ou nas mídias sociais. E para isso é preciso tempo para pensar, talento para criar e coragem para experimentar.

O trabalho brilhante de hoje não é mais propriedade apenas de um departamento, mas tarefa de toda uma agência. Este é o novo desafio da propaganda brasileira.

Ruy Lindenberg é vice-presidente de criação da Leo Burnett Brasil. E-mail: ruy.lindenberg@leoburnett.com.br

Atividades Cotidianas







O Barril de Amontillado, de Edgar Alan Poe



Suportei o melhor que pude as mil e uma injúrias de Fortunato; mas quando começou a entrar pelo insulto, jurei vingança. Vós, que tão bem conheceis a natureza da minha índole, não ireis supor que me limitei a ameaçar. Acabaria por vingar-me; isto era ponto definitivamente assente, e a própria determinação com que o decidi afastava toda e qualquer idéia de risco. Devia não só castigar, mas castigar ficando impune. Um agravo não é vingado quando a vingança surpreende o vingador. E fica igualmente por vingar quando o vingador não consegue fazer-se reconhecer como tal àquele que o ofendeu.

Deve compreender-se que nem por palavras, nem por atos, dei motivos a Fortunato para duvidar da minha afeição. Continuei, como era meu desejo, a rir-me para ele, que não compreendia que o meu sorriso resultava agora da idéia da sua imolação.

Tinha um ponto fraco, este Fortunato sendo embora, sob outros aspectos, homem digno de respeito e mesmo de receio. Orgulhava-se da sua qualidade de entendido em vinhos. Poucos italianos possuem o verdadeiro espírito de virtuosidade. Na sua maior parte, o seu entusiasmo é adaptado às circunstâncias de tempo e de oportunidade para ludibriar milionários britânicos e austríacos. Em pintura e pedras preciosas, Fortunato, à semelhança dos seus concidadãos, era um charlatão, mas na questão de vinhos era entendido. Neste aspecto eu não diferia substancialmente dele: eu próprio era entendido em vinhos de reserva italianos, e comprava-os em grandes quantidades sempre que podia.

Foi ao escurecer, numa tarde de grande loucura da quadra carnavalesca, que encontrei o meu amigo. Acolheu-me com excessivo calor, pois bebera de mais. Trajava de bufão; um fato justo e parcialmente às tiras, levando na cabeça um barrete cônico com guizos. Fiquei tão contente de o ver que julguei que nunca mais parava de lhe apertar a mão.

- Meu caro Fortunato - disse eu -, ainda bem que o encontro. Você tem hoje uma aparência notável! Saiba que recebi um barril de um vinho que passa por ser amontillado; mas tenho cá as minhas dúvidas.

- O quê? - disse ele - Amontillado? Um barril? Impossível! E em pleno Carnaval!

- Tenho as minhas dúvidas - respondi -, e estupidamente paguei o verdadeiro preço do amontillado sem ter consultado o meu amigo. Não o consegui encontrar e tinha receio de perder o negócio!

- Amontillado!

- Tenho as minhas dúvidas - insisti.

- Amontillado!

- E tenho de as resolver.

- Amontillado!

- Como vejo que está ocupado, vou procurar Luchesi. Se existe alguém com espírito crítico, é ele. Ele me dirá.

- Luchesi não distingue amontillado de xerez.

- No entanto, há muito idiota que acha que o seu gosto desafia o do meu amigo.

- Venha, vamos lá.

- Aonde?

- À sua cave.

- Não, meu amigo, não exigiria tanto da sua bondade. Vejo que tem compromissos. Luchesi...

- Não tenho compromisso nenhum, vamos.

- Não, meu amigo. Não será o compromisso, mas aquele frio terrível que bem sei que o aflige. A cave é insuportavelmente úmida. Está coberta de salitre.

- Mesmo assim, vamos lá. O frio não é nada. Amontillado! Você foi ludibriado. E quanto a Luchesi, não distingue xerez de amontillado.

Assim falando, Fortunato pegou-me pelo braço. Depois de pôr uma máscara de seda preta e de envergar um roquelaire cingido ao corpo, tive que suportar-lhe a pressa que levava a caminho do meu palacete.

Não havia criados em casa; tinham desaparecido todos para festejar aquela quadra. Eu tinha-lhes dito que não voltaria senão de manhã e dera-lhes ordens explícitas para se não afastarem de casa. Ordens essas que foram o suficiente, disso estava eu certo, para assegurar o rápido desaparecimento de todos eles, mal voltara costas.

Retirei das arandelas dois archotes e, dando um a Fortunato, conduzi-o através de diversos compartimentos até à entrada das caves. Desci uma grande escada de caracol e pedi-lhe que se acautelasse enquanto me seguia. Quando chegamos ao fim da descida encontrávamo-nos ambos sobre o chão úmido das catacumbas dos Montresors.

O andar do meu amigo era irregular e os guizos da capa tilintavam quando se movia.

- O barril? - perguntou.

- Está lá mais para diante - disse eu -, mas veja a teia branca de aranha que cintila nas paredes da cave.

Voltou-se para mim e pousou nos meus olhos duas órbitas enevoadas pelos fumos da intoxicação.

- Salitre? - perguntou por fim.

- Sim - respondi. - Há quanto tempo tem essa tosse?

- Cof!, cof!, cof! cof!, cof!, cof!

O meu amigo ficou sem poder responder-me durante bastante tempo.

- Não é nada - acabou por dizer.

- Venha - disse-lhe com decisão. - Retrocedamos, a sua saúde é preciosa. Você é rico, respeitado, admirado, amado; você é feliz como eu já o fui em tempos. Você é um homem cuja falta se sentiria. Quanto a mim, não importa. Retrocedamos. Ainda é capaz de adoecer e não quero assumir tal responsabilidade. Além disso, há Luchesi...

- Basta! - replicou. - A tosse não é nada, não me vai matar. Não vou morrer por causa da tosse.

- Pois decerto que não, pois decerto - respondi -; não é minha intenção alarmá-lo desnecessariamente, mas deve usar de cautela. Um gole deste médoc defender-nos-á da umidade.

Quebrei o gargalo de uma garrafa que retirei de uma longa fila de muitas outras iguais que jaziam no bolor.

- Beba - disse, apresentando-lhe o vinho.

Levou-o aos lábios, olhando-me de soslaio. Fez uma pausa e abanou a cabeça significativamente, enquanto os guizos tilintavam.

- Bebo - disse - aos mortos que repousam à nossa volta.

- E eu para que você viva muito.

Novamente me tomou pelo braço e prosseguimos.

- Estas catacumbas são enormes - disse ele.

- Os Montresors - respondi - constituíam uma família grande e numerosa.

- Não me lembro do vosso brasão.

- Um enorme pé humano, de ouro, em campo azul; o pé esmaga uma serpente rastejante cujas presas estão ferradas no calcanhar.

- E a divisa?

- Nemo me impune lacessit

- Ótimo! - disse ele.

O vinho brilhava no seu olhar e os guizos tilintavam. A minha própria disposição melhorara com o médoc. Tinha passado por entre paredes de ossos empilhados, à mistura com barris e barris, nos mais recônditos escaninhos das catacumbas. Parei novamente e desta vez fiz questão de segurar Fortunato por um braço, acima do cotovelo.

- Salitre! - disse eu -, veja como aumenta. Parece musgo nas abóbadas. Estamos sob o leito do rio. As gotas de umidade escorrem por entre os ossos. Venha, vamo-nos embora que já é muito tarde. A sua tosse...

- Não faz mal - retorquiu -, continuaremos. Antes, porém, mais um trago de rnédoc.

Abri e passei-lhe uma garrafa de De Grâve. Despejou-a de um trago. Os olhos brilharam-lhe com um fulgor feroz. Riu e atirou a garrafa ao ar, com uns gestos que não entendi.

Olhei-o surpreso. Repetiu o movimento grotesco.

- Não compreende?

- Não, não compreendo - respondi.

- Então não pertence à irmandade.

- Como?

- Quero eu dizer que não pertence à Maçonaria.

- Sim, sim - disse -, sim, pertenço.

- Você? Impossível! Um maçon?

- Sim, um maçon - respondi.

- Um sinal - disse ele.

- Aqui o tem - retorqui, mostrando uma colher de pedreiro que retirei das dobras do meu roquelaire.

- Está a brincar - exclamou, recuando alguns passos. - Mas vamos lá ao amontillado.

- Assim seja - disse eu, tornando a colocar a ferramenta sob a capa e tornando a oferecer-lhe o meu braço. Apoiou-se nele pesadamente. Continuamos o nosso caminho em procura do amontillado. Passamos por uma série de arcos baixos, descemos, atravessamos outros, descemos novamente e chegamos a uma profunda cripta na qual a rarefação do ar fazia com que os archotes reluzissem em vez de arderem em chama.

No ponto mais afastado da cripta havia uma outra cripta menos espaçosa. As paredes tinham sido forradas com despojos humanos, empilhados até à abóbada, à maneira das grandes catacumbas de Paris. Três das paredes desta cripta interior estavam ainda ornamentadas desta maneira. Na quarta parede, os ossos tinham sido derrubados e jaziam promiscuamente no solo, formando num ponto um montículo de certo vulto. Nessa parede assim exposta pela remoção dos ossos, percebia-se um recesso ainda mais recôndito, com um metro e vinte centímetros de fundo, noventa centímetros de largo e um metro e oitenta a dois metros e dez de alto. Parecia não ter sido construído com qualquer fim específico, constituindo apenas o intervalo entre dois dos colossais suportes do teto das catacumbas, e era limitado, ao fundo, por uma das paredes circundantes em granito sólido.

Foi em vão que Fortunato, levantando o seu tíbio archote, tentou sondar a profundidade do recesso. A enfraquecida luz não nos permitia ver-lhe o fim.

- Continue - disse eu -, o amontillado está aí dentro. Quanto a Luchesi...

- É um ignorante - interrompeu o meu amigo, enquanto avançava, vacilante, seguido por mim. Num instante atingira o extremo do nicho, e vendo que não podia continuar por causa da rocha, ficou estupidamente desorientado. Um momento mais e tinha-o agrilhoado ao granito. Havia na parede dois grampos de ferro, distantes um do outro, na horizontal, cerca de sessenta centímetros. De um deles pendia uma pequena corrente e do outro um cadeado. Lançar-lhe a corrente em volta da cintura e fechá-la foi obra de poucos segundos. Ficara demasiado surpreendido para oferecer resistência. Retirei a chave e recuei.

- Passe a mão pela parede - disse eu. - Não deixará de sentir o salitre. Na realidade está muito úmido. Mais uma vez lhe suplico que nos retiremos. Não lhe convém? Nesse caso, tenho realmente de o deixar. Mas, primeiro, quero prestar-lhe todas as pequenas atenções ao meu alcance.

- O amontillado! - berrou o meu amigo, que se não recompusera ainda do espanto em que se encontrava.

- É verdade - respondi. - O amontillado.

Ao dizer isto, pus-me a procurar com todo o afã por entre as pilhas de ossos de que já falei. Atirando com eles para o lado, pus a descoberto uma quantidade de pedras e argamassa. Com estes materiais e com a ajuda da minha colher de pedreiro, comecei a entaipar com todo o vigor a entrada do nicho.

Mal tinha colocado a primeira fiada de pedras quando descobri que a embriaguez de Fortunato tinha em grande parte desaparecido. A este respeito, o primeiro indício foi-me dado por um longo gemido vindo da profundidade do recesso. Não era o gemido de um ébrio. Sucedeu-se um prolongado e obstinado silêncio. Pus a segunda fiada de pedras, a terceira e a quarta. Em seguida ouvi as vibrações furiosas da corrente. O ruído prolongou-se por alguns minutos, durante os quais, para me ser possível ouvi-lo com maior satisfação, suspendi a minha tarefa e sentei-me no montículo de ossos. Quando finalmente cessou o tilintar, retomei a colher de pedreiro e completei sem interrupção a quinta, a sexta e a sétima fiadas. A parede estava agora quase ao nível do meu peito. Parei novamente e, elevando o archote acima do parapeito, fiz incidir alguns raios de luz sobre a figura que lá estava dentro.

Uma sucessão de gritos altos e agudos, irrompendo de súbito da garganta da figura agrilhoada, quase me atirou violentamente para trás. Por um breve momento hesitei, tremi. Desembainhei o florete e com ele comecei a tatear o recesso, mas bastou pensar um momento para voltar a sentir-me seguro. Coloquei a mão sobre a sólida construção das catacumbas e fiquei satisfeito. Tornei a aproximar-me da parede. Respondi aos gritos daquele que clamava. Repeti-os como um eco, juntei-me a eles, ultrapassei-os em volume e força. Depois disto, o outro sossegou.

Era agora meia-noite e a minha tarefa aproximava-se do fim. Completara já a oitava, a nona e a décima fiadas. Tinha acabado uma porção da décima primeira e última; faltava apenas colocar e fixar uma pequena pedra. Lutava com o seu peso; coloquei-a parcialmente na posição que lhe cabia. Soltou-se então do nicho um riso abafado que me arrepiou os cabelos. Seguiu-se uma voz triste que tive dificuldade em reconhecer como sendo a do nobre Fortunato. Dizia aquela voz:

- Ah!, ah!, ah!, he!, he!, boa piada, de fato, excelente gracejo. Havemos de rir bastante acerca disto, lá no palácio, he!, he!, he!, acerca do nosso vinho, he!, he!, he!

- O amontillado? - disse eu.

- he!, he!, he!, he!, he!, he!, sim, o amontillado. Mas não estará a fazer-se tarde? Não estarão à nossa espera no palácio lady Fortunato e os convidados? Vamo-nos embora.

- Sim - disse eu -, vamo-nos.

- Pelo amor de Deus, Montresor!

- Sim - disse eu -, pelo amor de Deus!

Em vão esperei uma resposta a estas palavras. Comecei a ficar impaciente. Chamei em voz alta:

- Fortunato!

Não obtive resposta. Chamei novamente:

- Fortunato!

Continuei sem resposta. Meti um archote pela pequena abertura e deixei-o cair lá dentro. Em resposta ouvi apenas um tilintar de guizos. Senti o coração oprimido, dada a forte umidade das catacumbas. Apressei-me a pôr fim à minha tarefa. Forcei a última pedra no buraco, e fixei-a com a argamassa. De encontro a esta nova parede tornei a colocar a velha muralha de ossos. Durante meio século nenhum mortal os perturbou. In pace requiescat!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Aprendendo das cozinheirs




Rubem Alves


A se acreditar em entendidos em coisas de outros mundos, já devo ter sido cozinheiro em alguma vida passada. É que tenho um fascínio enorme pelas panelas, pelo fogo, pelos temperos e por toda a bruxaria que acontece nas cozinhas, para a produção das coisas que são boas para o corpo. Não é só uma questão de sobrevivência. Os cozinheiros dos meus sonhos não se parecem com especialistas em dietética.

Interessa-me mais o prazer que aparece no rosto curioso e sorridente de alguém que tira a tampa da panela, para ver o que está lá dentro. Minhas cozinhas, em minhas fantasias, nada têm a ver com estas de hoje, modernas, madeiras sem a memória dos cortes passados e das coisas que se derramaram, tudo movido a botão, forno de micro-ondas, adeus aos jogos eróticos preliminares de espiar, cheirar, beliscar, provar, perfurar... Tudo rápido, tudo prático, tudo funcional. Imaginei que quem assim trata a cozinha, no amor deve ser semelhante aos galos e galinhas, quanto mais depressa melhor, há coisas mais importantes a se fazer. Como aquele vendedor de pílulas contra a sede, da estória do "Pequeno Príncipe". Ir até o filtro é uma perda de tempo. Com a pílula elimina-se a perda inútil. “E que é que eu faço com o tempo que eu perco?" — perguntou o Principezinho.

"...Você faz o que quiser", respondeu o vendedor." — Que bom! Então, é isto o que vou fazer, ir bem devagarzinho, mãos nos bolsos, até a fonte, beber água..."

Quero voltar à cozinha lenta, erótica, lugar onde a química está mais próxima da vida e do prazer, cozinha velha, quem sabe com alguns picumãs pendurados no teto, testemunhos de que até mesmo as aranhas se sentem bem ali.

Nada melhor que o contraste. A sala de visitas, por exemplo. Lá no interior de Minas, faz tempo. Retrato silencioso oval do avô, na parede; samambaia no cachepô de madeira envernizada; porta-bibelôs; as cadeiras, encostos verticais, 90 graus, para que ninguém se acomodasse; capas brancas engomadas pra que nenhuma cabeça brilhantinosa se encostasse; os donos dizendo em silêncio "está mesmo na hora", enquanto a boca mente dizendo "ainda é cedo", na hora da partida, junto com as recomendações á tia Sinhá (porque toda família tinha de ter uma tia Sinhá). Aí a porta se fechava, e a vida recomeçava, na cozinha...

A porta da rua ficava aberta. Era só ir entrando. Se não encontrasse ninguém não tinha importância, porque em cima do fogão estava a cafeteira de folha, sempre quente, para quem quisesse. Tomava-se o café e ia-se embora, havendo recebido 0 reconforto daquela cozinha vazia e acolhedora. Eu diria que a cozinha é o útero da casa: lugar onde a vida cresce e o prazer acontece, quente... Tudo provoca o corpo e sentidos adormecidos acordam. São os cheiros de fumaça, da gordura queimada, do pão de queijo que cresce no forno, dos temperos que transubstanciam os gostos, profundos dentro do nariz e do cérebro, até o lugar onde mora a alma. Os gostos sem fim, nunca iguais, presentes na ponta da colher para a prova, enquanto 0 ouvido se deixa embalar pelo ruído crespo da fritura e os olhos aprendem a escultura dos gostos e dos odores nas cores que sugerem o prazer...

Cozinha: ali se aprende a vida. É como uma escola em que o corpo, obrigado a comer para sobreviver, acaba por descobrir que o prazer vem de contrabando. A pura utilidade alimentar, coisa boa para a saúde, pela magia da culinária, se torna arte, brinquedo, fruição, alegria. Cozinha, lugar dos risos...

Pensei então se não haveria algo que os professores pudessem aprender com os cozinheiros: que a cozinha fosse a antecâmara da sala de aulas, e que os professores tivessem sido antes, pelo menos nas fantasias e nos desejos, mestres-cucas, especialistas, nas pequenas coisas que fazem o corpo sorrir de antecipação. Isto. Uma Filosofia Culinária da Educação. Imaginei que os professores, acostumados a homens ilustres, sem cheiro de cebola na mão, haveriam de se ofender, pensando que isto não passa de uma gozação minha.

Logo me tranqüilizei, ouvindo a sabedoria de Ludwig Feuerbach, a quem até mesmo Marx prestou atenção: "O homem é aquilo que ele come". Abaixo Descartes. Idéias claras e distintas podem ser boas para o pensamento. Também bombas atômicas e as contas do FMI são boas para serem pensadas. Só que não podem ser amadas, não têm gosto e nem cheiro, e por isto mesmo a boca não as saboreia e não entram em nossa carne.

Imitar os que preparam as coisas boas e ensinam os sabores...

A primeira lição é que não há palavra que possa ensinar o gosto do feijão ou o cheiro do coentro. É preciso provar, cheirar, só um pouquinho, e ficar ali, atento, para que o corpo escute a fala silenciosa do gosto e do cheiro. Explicar o gosto, enunciar o cheiro; pra estas coisas a Ciência de nada vale; é preciso sapiência, ciência saborosa, para se caminhar na cozinha, este lugar de saber-sabor. Cozinheiro: bruxo, sedutor. "— Vamos, prove, veja como está bom..." Palavras que não transmitem saber, mas atentam para um sabor. O que importa está para além da palavra. É indizível. Como ele seria tolo se avaliasse seus alunos por meio de testes de múltipla escolha. É assim com a vida inteira, que não pode ser dita, mas apenas sugerida. Lembro-me do mestre Barthes, a quem amo sem ter conhecido, que compreendia que tudo começa nesta relação amorosa, ligeiramente erótica, entre mestre e aprendiz, e que só aí que se pode saborear, como numa refeição eucarística, os pratos que o mestre preparou com a sua própria carne...

A lição dois é que o prazer do gosto e do cheiro não convivem com a barriga cheia. O prazer cresce em meio às pequenas abstenções, às provas que só tocam a língua... É aí que o corpo vai se descobrindo como entidade maravilhosamente polimórfica na sua infindável capacidade para sentir prazeres não pensados. Já os estômagos estufados põem fim ao prazer, pedem os digestivos, o sono e a obesidade. Cozinheiros de tropa nada sabem sobre o prazer. A comida se produz às dezenas de quilos. Pouco importa que os corpos sorriam. Comida combustível. Que os corpos continuem a marchar. Melhor se fossem pílulas. Abolição da cozinha, abolição do prazer: pura utilidade, zero de fruição.

"— Estava boa a comida?"

"— Ótima. Comi um quilo e duzentas gramas..."

Equação desejável, pela redução do prazer à quantidade de gramas. Não deixa de ser uma Filosofia... Como aquela que desemboca nos cursinhos vestibulares e já se anuncia desde a primeira série do primeiro grau. Não se trata da erotização do corpo. Para a engorda tais sensibilidades são dispensáveis. Artifício na criação de gansos, para a obtenção de fígados maiores: funis goelas abaixo e por ali a comida sem gosto. Afinal, por que razão o prazer de um ganso seria importante? Seus donos sabem o que é melhor para eles... Vi nossos moços assim, funis goela abaixo, e depois vomitando e pensando o seu vômito. A isto se chama ver quantos pontos se fez no vestibular...

Entendem por que eu queria uma filosofia culinária de educação? É que temos tornado os criadores de ganso como modelos...


Texto extraído do livro “Estórias de quem gosta de ensinar – O fim dos vestibulares”, Ars Poética – São Paulo, 1995, pág. 133.

Rubem Alves: tudo sobre o autor e sua obra em "Biografias".

Texto: O saber o sabor



15/10/07
(Beatriz Kappke)

Educar não é ensinar respostas
É ensinar o aluno a pensar
A inteligência plácida erotizar
Que estará disposta a funcionar
Somente quando há desafios a vencer!

Aprender não é natural e nem espontâneo
Acender a fogueira da busca é necessário
De algo que não é instantâneo:
A busca do conhecimento apropriado.

Professor e aluno,
Companheiros de jornada!
Precisam juntos saborear o saber
Para 'degustar o sentir',
O ' sabor do aprender',

E enfim,
Do verdadeiro conhecimento se apropriar
É disso que o povo precisa:
Ter conhecimento e na prática aplicar
Para ser feliz sem medo e nem divisa
E o outro poder ajudar
A 'pensar a vida'!


midi: Fascinação
*Texto inspirado numa fala de Rubem Alves.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL



ARTIGO DA PROFESSORA IVANDA MARTINS
Universidade Federal Rural de Pernambuco (DEINFO-EAD/UFRPE)
martins.ivanda@gmail.com
Categoria: Conteúdos e Habilidades
Setor Educacional: Educação Continuada em Geral
Natureza do Trabalho:Descrição de Projeto em Andamento
Classe: Investigação Científica
Resumo
No contexto da Educação a Distância (EAD), os professores estão
assumindo múltiplos papéis, devido à natureza do processo ensinoaprendizagem
mediado pelas novas tecnologias da informação e da
comunicação. Nesse sentido, o professor precisa atuar como espécie de
orientador, capaz de apresentar caminhos, realizar mediações pedagógicas,
redirecionando o foco do processo de ensino-aprendizagem. Sabe-se que, na
EAD, a ênfase no diálogo e na autonomia dos educandos tornam-se eixos
norteadores fundamentados em recursos e meio tecnológicos capazes de
suportar e mediatizar os fluxos de comunicação. Pretende-se discutir as
práticas de letramento digital de docentes no contexto da Educação a
Distância, considerando os múltiplos papéis dos educadores nesta modalidade
de ensino. Considera-se o letramento digital como apropriação dos novos
recursos tecnológicos, por meio da construção de conhecimentos que
permitem uma participação dinâmica nas práticas letradas mediadas por
computadores e outros dispositivos eletrônicos no mundo contemporâneo.
Palavras-Chave: Educação a Distância. Letramento Digital. Formação de
Professores. Mediação Pedagógica.
2
Introdução
Com o advento da revolução tecnológica, novos paradigmas são
discutidos no campo da Educação, tendo em vista a necessidade de alunos e
professores se adaptarem à velocidade das transformações que ocorrem
diariamente. No contexto dinâmico da cibercultura, as novas tecnologias da
informação e da comunicação começam a provocar mudanças significativas
nas relações entre docentes e discentes, bem como nas maneiras de ensinar e
aprender.
Vários questionamentos surgem no contexto da Sociedade da
Informação, em que educar os sujeitos para o uso crítico dos meios eletrônicos
torna-se um desafio. Assim, professores e alunos assumem novos papéis,
diante do dinamismo do “turbilhão digital”, em que a interatividade e a
velocidade na troca de informações tornam-se características importantes.
Sob a influência das novas tecnologias, os espaços interativos de
comunicação eclodiram e o domínio de uma estratégia informacional tornou-se
uma alavanca essencial para a aquisição e a apropriação de outras
competências e habilidades. Nesse sentido, os docentes começam a assumir
múltiplos papéis, tendo em vista os novos desafios da Educação a Distância
(EAD).
Diversas práticas de letramento digital, ou seja, novas maneiras de
apropriação das tecnologias da informação e comunicação estão
redimensionando as relações dos docentes com os recursos tecnológicos, em
função da multiplicidade de papéis que os professores estão assumindo no
contexto da EAD.
Nesse sentido, pretende-se discutir os diversos papéis que os docentes
estão desempenhando na EAD, tendo em vista novas práticas de letramento
digital que estão orientando as relações entre os educadores e as novas
tecnologias.
3
1.Educação a Distância: novos desafios no processo de ensinoaprendizagem
A Educação a Distância vem se destacando no processo de
democratização do ensino-aprendizagem, visando à construção da autonomia
dos alunos. Vários autores discutem a EAD como um processo de ensinoaprendizagem
mediado por tecnologias, no qual professores e alunos estão
separados espacial e/ou temporalmente, no entanto, permanecem conectados
por uma série de tecnologias (correio, telefone, fax, Internet, etc) (MORAN,
2005). À medida que a tecnologia avança, esta separação vai diminuindo, uma
vez que os encontros virtuais possibilitam uma maior frequência de interações
entre alunos e professores.
Moore e Kearsley (2007, p. 02) definem a EAD como “aprendizado
planejado que ocorre normalmente em um lugar diferente do local do ensino,
exigindo técnicas especiais de criação do curso e de instrução, comunicação
por meio de várias tecnologias e disposições organizacionais e administrativas
especiais”.
Para Lévy (1999, p.158), “a EAD explora certas técnicas de ensino a
distância, incluindo as hipermídias, as redes de comunicação interativas e
todas as tecnologias intelectuais da cibercultura. Mas o essencial se encontra
em um novo estilo de pedagogia que favorece ao mesmo tempo as
aprendizagens personalizadas a aprendizagem coletiva em rede".
A EAD pode ser compreendida como uma modalidade educacional que
faz uso de processos que vão além da superação da distância física. As
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) usadas na EAD não servem
apenas para diminuir a distância física entre aqueles que aprendem e aqueles
que ensinam, elas são eficazes nos próprios cursos presenciais. Essa
abordagem não é original, mas tem base no conceito de distância transacional
que considera a distância educacional não do ponto de vista físico, mas do
ponto de vista comunicativo (MOORE, 2007).
Os avanços tecnológicos influenciam as mudanças de relações entre
docentes e discentes. É preciso considerar os múltiplos papéis que os
4
professores estão assumindo no contexto da EAD. Aos poucos, os docentes
começam a perceber que a tecnologia não está competindo com a função do
professor, pelo contrário, os meios tecnológicos estão auxiliando o trabalho
pedagógico na organização de aulas, gerenciamento de atividades de
pesquisa, planejamento, elaboração de projetos didáticos, além de outras
ações. Na utilização dos recursos tecnológicos, os professores assumem
múltiplos papéis, redimensionando a prática pedagógica em face dos avanços
das novas tecnologias e dos desafios da EAD, como se pode observar a
seguir.
2. Educação a Distância: redimensionando os papéis dos professores
Na EAD, o professor torna-se uma espécie de “animador da
inteligência coletiva”, como propôs Lévy (1999), na medida em que organiza o
fluxo da comunicação virtual, produz materiais didáticos para serem utilizados
on line, além de várias outras atividades que começa a desenvolver no
processo de ensino-aprendizagem a distância. Nesse sentido, ainda conforme
Lévy (1999, p.171), “a principal função do professor não pode ser uma difusão
dos conhecimentos, que agora é feita de maneira mais eficaz por outros meios.
Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e
o pensamento”.
Para ensinar utilizando as novas tecnologias, o professor precisa
participar ativamente da cibercultura, reconhecendo as múltiplas possibilidades
que são oferecidas aos alunos diante do inesgotável oceano de informações do
ciberespaço.
A EAD vem consolidando o seu papel da Sociedade da Informação,
onde o acesso à informação, disponibilizado por vários meios e recursos
tecnológicos, torna-se bastante democrático. A cada clique no mouse, os
sujeitos descobrem no ciberespaço (LÉVY, 1999), uma gama ilimitada de
informações que se cruzam e se entrecruzam, dialogando constantemente
graças à hipertextualidade e à multimodalidade, por meio de textos e
linguagens diversas em um mesmo suporte de comunicação: a tela do
computador.
5
O papel do professor é redirecionado para facilitar os percursos de
aprendizagem dos alunos nos ambientes digitais. Assim, os docentes atuam
diretamente na troca e na construção mútua de fluxos de informação, visando à
transformação da simples informação em conhecimento. Esse é o grande
desafio da educação na era tecnológica: como ensinar os alunos a aprender a
aprender de forma autônoma, descobrindo a importância de se produzir
conhecimento a partir do turbilhão digital e do universo oceânico de
informações disponível no ciberespaço?
Com o novo paradigma da EAD, os professores estão assumindo
múltiplos papéis em constante sintonia, como se pode observar a seguir.
a) Professor-autor de materiais didáticos. Na EAD, o professor
torna-se autor de materiais didáticos que precisam ser disponibilizados em
meio impresso e nos ambientes virtuais de aprendizagem. Essa função está
sendo muito requisitada nos cursos a distância, no entanto, muitos docentes
precisam aprimorar suas habilidades e competências na elaboração de textos
coerentes com os princípios da EAD, o que nem sempre é tarefa fácil.
Os professores adaptam as estratégias de comunicação e de interação
com os alunos, por meio da construção de materiais didáticos (folhetos, livros
didáticos, guias de estudo, fascículos, vídeo-aula, etc.), utilizando uma
linguagem simples e estabelecendo um diálogo com os discentes por meio de
mensagens curtas, dinâmicas, webquests, exercícios criativos, além de vários
outros recursos importantes para facilitar a aprendizagem dos discentes.
Assim, os professores têm que se libertar de uma linguagem acadêmica e
científica para uma comunicação dialogada com os alunos, visando motivar e
persuadir os alunos à aprendizagem nos moldes da Educação a Distância.
Na EAD, os materiais didáticos devem considerar as características do
público-alvo, adaptando-se ao perfil dos alunos. O produtor de materiais
didáticos para EAD precisa considerar o contexto sociocultural dos educandos,
bem como inferir sobre possíveis estratégias cognitivas do público-alvo, no
sentido de estreitar as conexões com os aprendizes.
6
b) Professor-revisor de conteúdo/ linguagem. Após elaborar o
material didático, o professor ainda precisa revisar o texto, considerando
elementos referentes ao conteúdo e à construção da linguagem. Esse papel
pode ser realizado por professores que assumem a função de assessores
linguísticos e mediadores pedagógicos, responsáveis pela revisão dos
materiais didáticos que serão disponibilizados em meio impresso e nos
ambientes virtuais de aprendizagem. Nessa função de professor-revisor,
revela-se importante a avaliação crítica da natureza técnico-científica dos
materiais didáticos que são elaborados para os cursos a distância.
c) Professor-orientador de percursos de aprendizagem. Essa
função consiste no acompanhamento dos percursos de aprendizagem dos
alunos, tendo em vista o gerenciamento do trabalho dos tutores. O professororientador
atua de forma integrada e colaborativa com os tutores, visando
estimular a aprendizagem dos educandos. O professor-orientador também é
conhecido como professor-formador ou professor-executor. As classificações e
nomenclaturas são diversas para o mesmo papel, ou seja, coordenar o trabalho
dos tutores virtuais nos acompanhamentos dos alunos nas atividades
realizadas nos ambientes virtuais de aprendizagem.
d) Professor-tutor. O tutor é o professor que estabelece diretamente o
diálogo com os alunos, usando recursos de interação, tais como: chats, fóruns
de discussão, wikis, portfólios, no sentido de orientar os alunos no processo de
aprendizagem mediado pelos meios tecnológicos. O tutor tira as dúvidas do
aluno, filtra as informações gerais para facilitar a aprendizagem dos
aprendizes, atua na mediação da aprendizagem dos educandos.
Na tutoria, os professores tornam-se orientadores dos percursos de
ensino-aprendizagem dos alunos nos ambientes, estabelecendo elos fortes de
aproximações com os aprendizes. Os docentes podem atuar na tutoria virtual,
observando a aprendizagem dos discentes nos ambientes virtuais, bem como
na tutoria presencial, promovendo atividades e monitorando as avaliações
presenciais nos pólos de atendimento aos alunos.
7
A tutoria tem papel fundamental na motivação dos percursos dos
alunos nos processos de ensino-aprendizagem. Os alunos aprendem com os
materiais didáticos disponibilizados em meio impresso e nos ambientes virtuais,
mas, sobretudo, a aprendizagem se constrói de forma compartilhada e
colaborativa na interação entre aprendizes e tutores, aprendizes e outros
aprendizes, professores, tutores e aprendizes, enfim, todos aprendem e
ensinam no processo dinâmico da EAD.
O tutor precisa constantemente despertar os aprendizes para a
pesquisa na web, além de incentivar a troca de experiências entre alunos, no
sentido de se buscar organizar comunidades de aprendizagens. Assim, os
alunos terão maior autonomia e despertarão para a consciência crítica do seu
percurso de aprendizagem. Os tutores atuam como facilitadores e mediadores
nesse processo de ensino-aprendizagem na modalidade da EAD.
Como se pode observar, são múltiplos os papéis que os professores
estão desenvolvendo em função das demandas dos novos processos
educacionais. Como o foco da EAD é a construção da autonomia do aluno por
meio de processos metacognitivos e auto-avaliativos, o professor passa a
assumir muito mais a função de colaborador na “pilotagem do percurso de
ensino-aprendizagem dos alunos” (LÉVY, 1999), os quais começam a perceber
o desafio de aprender a aprender ao longo da vida. Os alunos já dispõem de
várias tecnologias que lhes conduzem às informações e os professores têm
participação importante na sugestão de roteiros de aprendizagem que levarão
os educandos à construção crítica do conhecimento, o que certamente
configura-se como um diferencial na Sociedade da Informação.
Novas competências são requeridas aos docentes no contexto dinâmico
da EAD. As práticas de letramento digital dos educadores, por exemplo, estão
sendo constantemente modificadas em função dos novos recursos
tecnológicos, os quais estão demandando outras relações dos sujeitos com
diversificados dispositivos de mediação pedagógica e tecnológica, tais como:
interfaces gráficas, ambientes virtuais de aprendizagem, materiais didáticos
digitais, instrumentos e ferramentas de interação, tais como: chat, fórum, wiki,
entre outros.
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Assim, diante dos constantes desafios da EAD, os docentes começam
a ampliar as práticas de letramento digital, ou seja, precisam se apropriar das
novas tecnologias de forma crítica, desenvolvendo as práticas de linguagem de
forma significativa.
3.Práticas de letramento digital dos docentes na EAD
Nota-se que a revolução tecnológica facilitou o acesso à informação e
provocou mudanças significativas nas práticas de leitura e escrita dos usuários.
Interfaces, textos multimodais, hipertextos, links, hiperlinks, hipermídia,
convergência digital, gêneros digitais, simulações e vários outros fatores
modificaram e continuam influenciando a interação do indivíduo com as novas
tecnologias da informação e da comunicação (NTIC).
Segundo alguns autores, como Buzato (2003), as transformações nos
modos de interagir por meio da diversidade de linguagens presentes no espaço
cibernético implicam uma mudança no tipo de conhecimento que possibilita ao
leitor e ao escritor cibernéticos as práticas sociais de leitura e escrita mediadas
eletronicamente, ou seja, propõe-se um novo tipo de letramento.
Surge a noção de letramento digital que, conforme Buzato (2003),
envolve o “conjunto de conhecimentos que permite às pessoas participarem
nas práticas letradas mediadas por computadores e outros dispositivos
eletrônicos no mundo contemporâneo”.
O letramento digital envolve diferentes formas de alfabetizações
necessárias para acessar, interpretar, criticar e participar das novas formas
emergentes no contexto social da cibercultura. É preciso ampliar habilidades
para construir sentidos a partir de textos que mesclam palavras que se
conectam a outros textos, por meio de hipertextos, links, hiperlinks, elementos
pictóricos e sonoros numa mesma superfície (textos multimodais).
Na EAD, as práticas de letramento digital são importantes nas
habilidades de leitura e produção textual, amplamente requisitadas nos fluxos
de interação mediados pelas novas tecnologias. Nesse sentido, o indivíduo
precisa desenvolver outras habilidades e competências para acessar, localizar,
filtrar e avaliar criticamente a informação disponibilizada no ciberespaço, além
de conhecer as normas que regem a comunicação mediada por computador
9
(CMC). Vários autores discutem a noção de letramento de modo amplo,
enfatizando o letramento como um conjunto de práticas sociais ligadas à
escrita, em contextos específicos (MARCUSCHI, 2001, 2004, KLEIMAN,1885) .
Conforme Soares (2002), pode-se definir letramento digital como um
certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova
tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do
estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de
escrita no meio impresso. Ainda segundo Soares (2002), não é apenas a tela
do computador que gera um novo tipo de letramento, mas todos os
mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita e da leitura no
mundo digital.
Na EAD, as práticas de letramento de docentes e discentes começam a
assumir papel de destaque em função da comunicação mediada por
computador (CMC). A CMC concretiza-se a partir de outros gêneros, os
chamados e-gêneros ou gêneros digitais (MARCUSCHI e XAVIER, 2004), os
quais são maleáveis, dinâmicos e exigem novas formas de interação.
Em virtude dos múltiplos papéis dos docentes na EAD, o grau de
letramento digital precisa ser cada vez mais estimulado, considerando as novas
demandas na elaborações de textos didáticos, na produção de textos de forma
compartilhada e colaborativa por meio de wikis, fóruns, além da escrita nos
fluxos síncronos de comunicação, como nos chats, por exemplo.
Considerações Finais
A EAD vem modificando as relações dos sujeitos com as novas
tecnologias e requerendo outras habilidades nas práticas de letramento digital.
Seja na elaboração de materiais didáticos, como professor-autor, seja no
acompanhamento dos percursos de aprendizagem dos alunos nos ambientes
virtuais, como professor-orientador ou professor-tutor, o fato é que os
educadores precisam desenvolver novas competências e habilidades para o
contexto dinâmico da EAD.
10
Nesse sentido, é preciso promover urgentemente a oferta de programas
de formação continuada dos docentes, visando à ampliação do letramento
digital dos educadores em face das mudanças requeridas pelas novas
tecnologias e pelos desafios dos fluxos de comunicação síncrona (chats, vídeochats,
etc) e assíncrona (fóruns, e-mails, etc.) nos modelos de EAD.
Ler e produzir textos nos novos suportes de comunicação e interação,
visando estimular a aprendizagem dos alunos, revelam-se como atividades
cada vez mais requisitadas pelos docentes, os quais estão descobrindo a
importância de aprender a aprender com os novos desafios da EAD e das
tecnologias da informação e comunicação (TICs).
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini. Inclusão digital do professor.
Formação e prática pedagógica. São Paulo: Ed. Articulação Universidade
Escola, 2004.
ANTUNES,Celso. Novas Maneiras de Ensinar, Novas formas de aprender.
Porto Alegre: Artmed, 2002.
BUZATO, M.. Letramento digital abre portas para o conhecimento.
EducaRede, 11 mar. Disponível em:
Acesso em 12
mar. 2003.
COSCARELLI, C. V; RIBEIRO (Orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e
possibilidades pedadógicas. Belo Horitonte: Autêntica, 2005.
KENSKI, V. M.Educação e tecnologias: novo ritmo da informação. Campinas,
São Paulo: Papirus, 2007.
KLEIMAN, A. Os significados do letramento, Campinas, Mercado das Letras,
1995.
LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34., 1999.
MARCUSCHI, L.; XAVIER, A. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de
construção de sentido. Rio de Janeiro : Lucerna, 2004.
MOORE, M; KEARSLEY, G. Educação a Distância: uma visão integrada. São
Paulo: Thomson, 2007.
MORAN, J. M. O que é Educação a Distância? Disponível em
. Acesso em 10 fev.2005.
SAMPAIO, Marisa; LEITE, Lígia. Alfabetização tecnológica do professor.
Petrópolis: Vozes, 1999.
SILVA, Marco (Org.). Educação online. São Paulo: Loyola, 2003.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte :
Autêntica, 1998.
______. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura.
Educação e Sociedade : Campinas, v.23, n.81, p.143-160, dez, 2002.
VALENTE, José; ALMEIDA, Maria Elizabeth (Orgs.). Formação de
educadores a distância e integração de mídias. São Paulo: Avercamp, 2007

Narração: Vamos conversar sobre o assunto!




Texto de Ivanda Martins

O principal objetivo da narração é contar uma história real,
fictícia ou mesclando dados reais e imaginários. O texto narrativo
apresenta numa evolução de acontecimentos, mesmo que os fatos
não mantenham relação de linearidade com o tempo real.
A narrativa pode estar em 1ª ou 3ª pessoa, dependendo do papel
que o narrador assuma em relação à história. Em uma narrativa em 1ª
pessoa, o narrador participa ativamente dos fatos narrados, mesmo
que não seja a personagem principal (narrador = personagem).
Já a narrativa em 3ª pessoa traz o narrador como um observador dos
fatos que pode, até mesmo, apresentar pensamentos de personagens
do texto (narrador = observador ou narrador onisciente).
Elementos básicos da narrativa:
» Ação – o que se vai narrar (O quê?)
» Tempo – quando a ação ocorreu (Quando?)
» Espaço – onde a ação ocorreu (Onde?)
» Personagens – quem participou da história narrada (Com quem?)
» Narrador – aquele que narra os fatos ocorridos (Quem conta?)
A modalidade narrativa de texto pode constituir-se de diferentes
maneiras: romance, piada, peça teatral, crônica, novela, conto, fábula,
lendas, etc. É preciso destacar que a narração pode estar presente
em letras de música, poemas, tirinhas, enfim, em quaisquer textos ou
gêneros textuais que apresentem os elementos descritos acima.
O texto narrativo é centralizado em fatos ou acontecimentos.
São elementos caracterizadores da narrativa: ação (enredo),
personagem, tempo, espaço e um narrador que relata os
acontecimentos.
» O enredo ou a trama é o esqueleto da narrativa, aquilo que dá sustentação à
história, ou seja, é o desenrolar dos acontecimentos. Geralmente, o enredo está
centrado num conflito, responsável pelo nível de tensão da narrativa. Ex: Conflito
entre o homem e o meio social, entre o homem contra si próprio, entre o homem
e a natureza etc.
» As personagens são os seres que atuam no enredo. Em geral, a personagem
pode representar uma individualidade, ao apresentar traços psicológicos distintos.
No entanto, há personagens que podem representar tipos humanos, em um
sentido mais coletivo, identificados antes pela profissão, pelo comportamento,
pela classe social, enfim, por algum traço distintivo comum a todos os indivíduos
dessa categoria.
» Tempo e espaço: são dois elementos fundamentais em uma narrativa. Nem
sempre esses elementos são explicitamente marcados, mas podem ser sugeridos
ao longo da narrativa, cabendo ao leitor tentar encontrar as pistas espaciais e
temporais para compreender melhor a história narrada. O espaço e o tempo são
responsáveis pelo caráter social do texto, na medida em que o leitor consegue
contextualizar e organizar os fatos narrados em determinado momento histórico
e num certo cenário.
» O papel do narrador: o narrador pode estar fora dos acontecimentos que
está relatando ou pode se encontrar dentro de história enquanto personagem
dos fatos narrados. Quando o narrador relata os acontecimentos sem participar,
ele assume a posição de um narrador onisciente, ou seja, o narrador observa
os fatos de fora e os registra. Quando o narrador participa dos fatos relatados,
assume a posição de narrador-personagem, vivenciando as ações e as
experiências narradas.

Texto 1 - Narrador fora dos fatos (narrador onisciente)
Uma Vela para Dario
Dalton Trevisan
Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a
esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por
ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na
pedra o cachimbo.
Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario
abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco,
sugeriu que devia sofrer de ataque.
Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha
apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem
respirar. Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram
os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da boca.
[...]
Texto extraído do livro “Vinte Contos Menores”, Editora Record – Rio de Janeiro,
1979, pág.20.
Texto completo disponível em: http://www.releituras.com/daltontrevisan_dario.asp
Texto 2 - Narrador dentro dos fatos, dentro da história
(narrador-personagem)
Dom Casmurro
Machado de Assis

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem
da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu.
Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e
acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não
fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado,
fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a
leitura e metesse os versos no bolso.
Fonte: http://www.bibvirt.futuro.usp.br/content/view/full/1429

O CÉREBRO



O cérebro é o principal orgão e centro do sistema nervoso em todos os animais vertebrados, e em muitos invertebrados. Alguns animais primitivos como os celenterados e equinodermes como a estrela-do-mar possuem um sistemas nervoso descentralizado sem cérebro, enquanto as esponjas não possuem sistema nervoso. Nos vertebrados o cérebro localiza-se na cabeça protegido pelo crânio, próximo aos aparatos sensoriais primários: visão, audição, equilíbrio, paladar, e olfato.
Os cérebros podem ser extremamente complexos. O cérebro humano contém cerca de 100 bilhões de neurônios, ligados por mais de 10,000 conexões sinápticas cada. Esses neurônios comunicam-se por meio de fibras protoplasmáticas chamadas axônio, que conduzem pulsos em sinais chamados potencial de ação para partes distantes do cérebro e do corpo e as encaminham para serem recebidas por células específicas.
De um ponto de vista filosófico, pode-se dizer que a função mais importante do cérebro é servir como estrutura física subjacente da mente. Do o ponto de vista biológico, entretanto, a função mais importante do cérebro é a de gerador de comportamentos que promovam o bem-estar de um animal. O cérebro controla o comportamento, seja ativando músculos, seja causando a secreção de substâncias químicas, como os hormônios.
Nem todos os comportamentos precisam de um cérebro. Mesmo organismos unicelulares são capazes de extrair informação do amibiente e responderem de acordo.[1] As esponjas, às quais falta um sistema nervoso central, são capazes de coordenar suas contrações corporais, e até mesmo de se locomoverem.[2] Nos vertebrados, a própria coluna vertebral contém circuitos neurais capazes de gerar respostas reflexas, assim como padrões motores simples, como nadar ou andar.[3] Entretanto, o controle sofisticado do comportamento, baseado em um sistema sensorial complexo requer a capacidade de integração de informações de um cérebro centralizado.
Apesar do rápido avanço científico, muito do funcionamento do cérebro continua um mistério. As operações individuais de neurônios e sinapses hoje são compreendidas com detalhamento considerável, mas o modo como eles cooperam em grupos de milhares ou milhões tem sido difícil de decifrar. Métodos de observação como registros de EEG e imageamento funcional cerebral mostram que as operações cerebrais são altamente organizadas, mas estes métodos não têm resolução suficiente para revelar a atividade de neurônios individualmente. Assim, mesmo os princípios mais fundamentais das redes de computação neural podem ficar, em grande medida, a serem descobertos por futuros pesquisadores.[4]

sábado, 5 de junho de 2010

O Mito da Caverna – Platão




Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após

geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços

estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no

mesmo lugar e a olhar apenas para frente, não podendo girar a cabeça nem

para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz

exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar

o que se passa no interior.




A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre

ela e os prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao

longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um

palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam

estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as

coisas.










Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros

enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas

transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os

homens que as transportam.




Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras

vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras,

nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há

outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber

que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda

a luminosidade possível é a que reina na caverna.




Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que

faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele

adentraria.




Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na

verdade é a luz do sol, e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois,

acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as

estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas,

descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens

(as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente

agora está contemplando a própria realidade.




Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna,

ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria

libertá-los.




Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam

dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo

com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim,

ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna,

certamente acabariam por matá-lo.




(Extraído do livro “Convite à Filosofia” de Marilena Chaui).

terça-feira, 1 de junho de 2010

A LEITURA E A CAPACIDADE MENTAL



A LEITURA E A CAPACIDADE MENTAL

A escola tem uma grande responsabilidade com a formação dos indivíduos, e a leitura deve ser a principal aliada nessa luta educacional. O que se percebe nas escolas é a presença de uma juventude completamente envolvida com as atrações tecnológicas, que, aos olhos deles, são muito mais interessantes do que a leitura de um bom livro, pois quando o aspecto visual é muito utilizado, a mente não necessita pensar ou imaginar muitas coisas, pois as idéias ali expostas, já estão prontas. Com o livro é muito diferente, pois a leitura permite ao leitor uma liberdade de pensamento e expressão, fazendo com que o indivíduo exercite sua capacidade mental e aumente sua habilidade cognitiva. A leitura não deve ser apenas o fim, mas o meio pelo qual a educação alcança seus objetivos. Paulo Freire (1988), em uma de suas obras, diz que somente pela leitura o indivíduo consegue obter uma visão do mundo de maneira mais consciente, podendo assim, contribuir para o crescimento de sua sociedade e do meio onde vive. Segundo Mary Kato (1995), a leitura favorece uma interdisciplinaridade entre todos os tipos de conhecimento. Quando o aluno consegue fazer essa associação entre os conteúdos, tem mais facilidade de entendimento de sua própria realidade e compreensão dos assuntos expostos. É notório que a leitura favorece o desenvolvimento cognitivo do ser humano, permite que o indivíduo construa suas próprias idéias e automaticamente, seu senso crítico frente a sua sociedade.
Portanto, como educadores, precisamos incentivar nossos alunos para o aprendizado da leitura, levando para a sala de aula, leituras interessantes, que possam aguçar o desejo e o gosto pelos livros, e conscientizando-os que através da leitura, teremos mais chances de formar gerações mais inteligentes e esclarecidas de seus direitos e deveres dentro de uma sociedade. Com cidadãos críticos, com certeza teremos um país mais estruturado e em constante crescimento acadêmico e intelectual.

REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 22.ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80p.
KATO, Mary. O aprendizado da leitura. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
PULCINELLI, Eni Orlandi e Ezequiel Theodoro da Silva. Leitura: perspectivas interdisciplinares. 3.ed. São Paulo: Ática, 1995.

GRAMMONT, Guiomar de. Ler devia ser proibido. In: PRADO, Jason; CONDINI, Paulo. A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Argus, 1999.

A importância do ato de ler - PAULO FREIRE



Introdução
O livro “A Importância do Ato de Ler” de Paulo Freire, relata os aspectos da biblioteca popular e a relação com a alfabetização de adultos desenvolvida na República Democrática de São Tomé e Príncipe.

Ao mesmo tempo, nos esclarece que a leitura da palavra é precedida da leitura do mundo e também enfatiza a importância crítica da leitura na alfabetização, colocando o papel do educador dentro de uma educação, onde o seu fazer deve ser vivenciado, dentro de uma prática concreta de libertação e construção da história, inserindo o alfabetizando num processo criador, de que ele é também um sujeito.

1 - a importância do ato de ler

Segundo Paulo Freire a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra. O ato de ler se veio dando na sua experiência existencial. Primeiro, a “leitura” do mundo do pequeno mundo em que se movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo da sua escolarização, foi a leitura da “palavra mundo”. Na verdade, aquele mundo especial se dava a ele como o mundo de sua atividade perspectiva, por isso, mesmo como o mundo de suas primeiras leituras. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto em cuja percepção experimentava e, quando mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão ia aprendendo no seu trato com eles, na sua relação com seus irmãos mais velhos e com seus pais.

A leitura do seu mundo foi sempre fundamental para a compreensão da importância do ato de ler, de escrever ou de reescrevê-lo, e transformá-lo através de uma prática consciente.

Esse movimento dinâmico é um dos aspectos centrais do processo de alfabetização que deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, carregadas da significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador.

A alfabetização é a criação ou a montagem da expressão escrita da expressão oral. Assim as palavras do povo, vinham através da leitura do mundo. Depois voltavam a eles, inseridas no que se chamou de codificações, que são representações da realidade. No fundo esse conjunto de representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma “leitura da leitura” anterior do mundo, antes da leitura da palavra. O ato de ler implica na percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do lido.

1.1 - Alfabetização de Adultos e Biblioteca Populares: Uma introdução

Para Paulo Freire falar de alfabetização de adultos e de biblioteca populares é falar, entre muitos outros, do problema da leitura e da escrita. Não da leitura de palavras e de sua escrita em si próprias, como se lê-las e escrevê-las, não implicasse uma outra leitura da realidade mesma, para aclarar o que chama de prática e compreensão crítica da alfabetização.

Do ponto de vista crítico é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político. Quanto mais ganhamos esta clareza através da prática, mais percebemos a impossibilidade de separar a educação da política e do poder.

A relação entre a educação enquanto subsistema e o sistema maior são relações dinâmicas contraditórias. As contradições que caracterizam a sociedade como está sendo, penetram a intimidade das instituições pedagógica em que a educação sistemática se está dando e alterando o seu papel ou o seu esforço reprodutor da ideologia dominante.

O que temos de fazer então, enquanto educadoras ou educadores, é aclarar assumindo a nossa opção que é política, e ser coerentes com ela na prática.

A questão da coerência entre a opção proclamada e a prática é uma das exigências que educadores críticos se fazem a si mesmos. É que sabem muito bem que não é o discurso o que ajuíza a prática, mas a prática que ajuíza o discurso. Quem apenas fala e jamais ouve; quem “imobiliza” o conhecimento e o transfere a estudantes, quem ouve o eco, apenas de suas próprias palavras, quem considera petulância a classe trabalhadora reivindicar seus direitos, não tem realmente nada que ver com a libertação nem democracia.

Pelo contrário, quem assim atua e assim pensa, consciente ou inconsciente, ajuda a preservação das estruturas autoritárias.

Só educadoras e educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato de ser educado pelos educandos.

Uma visão da educação é na intimidade das consciências, movida pela bondade dos corações, que o mundo se refaz. É, já que a educação modela as almas e recria corações ela é a alavanca das mudanças sociais.

Se antes a transformação social era entendida de forma simplista, fazendo-se com a mudança, primeiro das consciências, como se fosse a consciência de fato, a transformadora do real, agora a transformação social é percebida como um processo histórico.

Se antes a alfabetização de adultos era tratada e realizada de forma autoritária, centrada na compreensão mágica da palavra doada pelo educador aos analfabetos; se antes os textos geralmente oferecidos como leitura aos alunos escondiam a realidade, agora pelo contrário, alfabetização como ato de conhecimento, como um ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra. Agora já não é possível textos sem contexto.

A alfabetização de adultos e pós-alfabetização implicam esforços no sentido de uma correta compreensão do que é a palavra escrita, a linguagem, as relações com o contexto de quem fala, de quem lê e escreve, compressão, portanto da relação entre “leitura” do mundo e leitura da palavra. Daí a necessidade que tem uma de biblioteca popular, buscando o adentramento crítico no texto, procurando aprender a sua significação mais profunda, propondo aos leitores uma experiência estética, de que a linguagem popular é inteiramente rica.

A forma com que atua uma biblioteca popular, a constituição do seu acervo, as atividades que podem ser desenvolvidas no seu interior, tudo isso tem que ser como uma certa política cultural.

Se antes raramente os grupos populares eram estimulados a escrever seus textos, agora é fundamental fazê-lo, desde o começo da alfabetização para que, na pós-alfabetização, se vá tentando a formação do que poderá vir a ser uma pequena biblioteca popular com a inclusão de páginas escritas pelos próprios educandos.

1.2 - O Povo diz a sua Palavra ou a Alfabetização em São Tomé e Príncipe

Segundo Freire com a alfabetização de adultos no contexto da República Democrática de São Tomé e Príncipe, a cujo governo vem dando juntamente com Elza Freire, uma contribuição no campo da educação de adultos como assessor, se torna indispensável uma concordância em torno de aspectos fundamentais entre o assessor e o governo assessorado. Seria impossível, por exemplo, dar uma colaboração, por mínima que fosse a uma campanha de alfabetização de adultos promovido por um governo antipopular. Não poderia assessorar um governo que em nome da primazia da “aquisição” de técnicas de ler e escrever palavras por parte dos alfabetizando, exigi-se, ou simplesmente sugerisse que fizesse a dicotomia entre a leitura do texto e a leitura do contexto. Um governo para quem a leitura do concreto, o desenvolvimento do mundo não são um direito do povo, que, por isso mesmo, deve ficar reduzido à leitura mecânica da palavra.

É exatamente este aspecto importante — o da relação dinâmica entre a leitura da palavra e a leitura da realidade em que nós encontramos coincidentes os governos de São Tomé e Príncipes e nós.

Todo esforço que vem sendo feito em São Tomé e Príncipe na prática da alfabetização de adultos como na da pós-alfabetização se orienta neste sentido. Os cadernos de cultura popular vêm sendo usados pelos educandos como livros básicos, com exercícios chamados Praticar para o Aprender. A linguagem dos textos é desafiadora e não sloganizado. O que se quer é a participação efetiva do povo enquanto sujeito, na reconstrução do país, a serviço de que a alfabetização e a pós-alfabetização se acham. Por isso mesmo os cadernos não são nem poderiam ser livros neutros, é a participação crítica e democrática dos educandos no ato de conhecimento de que são também sujeitos. É a participação do povo no processo de reinvenção de sua sociedade, no caso a sociedade são tomense, recém-independente do jugo colonial, que há tanto tempo a submetia.

É preciso, na verdade, que a alfabetização de adultos e a pós-alfabetização, a serviço da reconstrução nacional, contribuam para que o povo, tomando mais e mais a sua História nas mãos, se refaça na leitura da História, estando presente nela e não simplesmente nela estar representado.

No fundo o ato de estudar, enquanto ato curioso do sujeito diante do mundo é expressão da forma de estar sendo dos seres humanos, como seres sociais, históricos, seres fazedores, transformadores, que não apenas sabem, mas sabem que sabem.

O povo tem de conhecer melhor, o que já conhece em razão da sua prática e de conhecer o que ainda não conhece.

Nesse processo, não se trata propriamente de entregar ou de transferir às massas populares a explicação mais rigorosa dos fatos como algo acabado, paralisado, pronto, mas contar, estimulando e desafiando, com a capacidade de fazer, de pensar, de saber e de criar das massas populares.

Na alfabetização pós-alfabetização não nos interessa transferir ao Povo frases e textos para ele ir lendo sem entender. A reconstrução nacional, exigem de todos nós uma participação consciente em qualquer nível, exige ação e pensamento, exige prática e teoria, procurar descobrir de entender o que se acha mais escondido nas coisas e aos fatos que nós observamos e analisando.

A reconstrução nacional precisa de que o nosso Povo conheça mais e melhor a nossa realidade.

2 - análise das idéias do autor

Ao elaborar uma síntese das reflexões sobre o livro “A Importância do Ato de Ler” e as relações da biblioteca popular com a alfabetização de adulto de Paulo Freire, leva-nos a compreensão da prática democrática e crítica da leitura do mundo e da palavra, onde a leitura não deve ser memorizada mecanicamente, mas ser desafiadora que nos ajude a pensar e analisar a realidade em que vivemos. “É preciso que quem sabe, saiba sobre tudo que ninguém sabe tudo e que ninguém tudo ignora” (FREIRE, p.32).

É essencial que saibamos valorizar a cultura popular em que nosso aluno está inserido, partindo desta cultura, e procurando aprofundar seus conhecimentos, para que participe do processo permanente da sua libertação.

“A biblioteca popular como centro cultural e não como um depósito silencioso de livros, é vista como um fator fundamental para o aperfeiçoamento e a intensificação de uma forma correta de ler o texto em relação com o contexto” (FREIRE, p.38).

Nesse sentido a atuação da biblioteca popular, tem algo a ver com uma política cultural, pois incentiva a compressão crítica do que é a palavra escrita, a linguagem, as suas relações com o contexto, para que o povo participe ativamente das mudanças constantes da sociedade.

“O processo de aprendizagem na alfabetização de adultos está envolvida na prática de ler, de interpretar o que lêem, de escrever, de contar, de aumentar os conhecimentos que já têm e de conhecer o que ainda não conhecem, para melhor interpretar o que acontece na nossa realidade” (FREIRE, p. 48).

Isso só conseguimos através de uma educação que estimule a colaboração, que dê valor à ajuda mútua, que desenvolva o espírito crítico e a criatividade: uma educação que incentive o educando unindo a prática e a teoria, com uma política educacional condizente com os interesses do nosso Povo.

Conclusão

Concluímos com a leitura desse livro, nós educadores e educandos para melhorarmos nossa prática devemos começar a avalizar que, a importância do ato de ler, não está na compreensão errônea de que ler é devorar de bibliografias, sem realmente serem lidas ou estudadas. Devemos ler sempre e seriamente livros que nos interessem, que favoreçam a mudança da nossa prática, procurando nos adentrarmos nos textos, criando aos poucos uma disciplina intelectual que nos levará enquanto professores e estudantes não somente fazermos uma leitura do mundo, mas escrevê-lo o reescrevê-lo, ou seja, transformá-lo através de nossa prática consciente.

Sabemos que, se mudarmos nossa disciplina sobre o ato de ler, teremos condições de formar as nossas bibliotecas populares, incentivando os grupos populares e a escrever seus textos desde o início da alfabetização; assim iríamos aos poucos formando acervos históricos escritos pelos próprios educandos.

E através da cultura popular o que se quer é a afetiva participação do povo enquanto sujeito na construção do país, pois quanto mais consciente o povo faça sua história, tanto mais que o povo perceberá, com lucidez as dificuldades que tem a enfrentar, no domínio econômico, social e cultural, no processo permanente de sua libertação.

Referência bibliográfica

Freire, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p.

PAULO FREIRE